quarta-feira, 21 de março de 2012

A construção das escolas públicas; ditames e a prática comum

 Ajustes climáticos não podem ser desconsiderados na hora de projetar uma escola. Será que as prefeituras e os governos estaduais colocam a questão sobre a mira técnica e priorizam o menor preço? Lá na Amazônia, por exemplo, as escolas devem considerar os inúmeros corredores de ventilação natural, assim como telhados com material adequado às constantes elevações da temperatura. No Sul e Sudeste do Brasil a atenção não poderá ignorar a variação climática bem marcada.  Não sou da área da construção, mas bem observo o que permite trabalhar e estudar sob condições agradáveis e sei reconhecer as contradições em um projeto, assim como avistar o dano à imagem histórica de um gestor político que desconsidera a importância da qualidade da construção do prédio escolar público.
 
Reprodução da fotomontagem encontrada  no blog Arquitetura Escolar.
 
Com a palavra do especialista -  Acompanhe o que bem explicitou o arquiteto Álvaro Lima Castro sobre o tema, entre outros aspectos extremamente importantes na conversa blogueira travada comigo. A transcrição integral segue abaixo:

 Olá professora Doralice.
Continuando nosso bate-papo agora neste espaço do blog:
Respondi algumas das questões propostas por você. Sobre as outras, ainda estou pensando. Lá vai:

1 - Porque as escolas particulares também o são. E as casas, e os hospitais e os escritórios. Essa discussão foge da questão público/privado. O mercado está cheio de profissionais mal formados.

2 - Aí tem-se que esclarecer um erro comum. Para a construção de uma obra pública há basicamente duas licitações completamente distintas.
A primeira, a licitação de projeto, onde o escritório vencedor será aquele que, atendendo à certos requisitos técnicos, oferecerá o melhor preço.
Como você bem disse, isso é um problema, pois embora os editais exijam dos participantes certa experiência no tipo de projeto em questão, e essa experiência deverá ser comprovada através de documentos emitidos pelo CREA ou CAU (os conselhos que agregam as classes de engenheiros e arquitetos, respectivamente), basta ao escritório "contratar" um profissional que detenha tal acervo de projetos e poderá concorrer. Esse profissional contratado muitas vezes nem mesmo atuará no projeto licitado. Apenas "aluga" seu acervo para atender ao edital.
Resultado: empresas sem a experiência devida ganham a licitação com um preço baixíssimo, prejudicando inclusive a classe, e não conseguem entregar um projeto com a qualidade mínima.
Enfim, esse escritório, bom ou ruim, é que vai elaborar o projeto de arquitetura, os projetos de engenharia, toda a especificação de materiais e a planilha de custos da obra. Não há interesse deste escritório em especificar material de segunda. E os preços que comporão a planilha são fornecidos por índices oficiais baseados no mercado.

A segunda licitação será a licitação da obra, da qual o autor do projeto não poderá participar, evidentemente. A obra deverá tomar por base o projeto feito pela empresa vencedora da primeira licitação, com todas as suas especificações.

Então por que as escolas são tão mal construídas?

Algumas possibilidades:
As prefeituras destinam uma verba muito pequena para a construção da obra, sob o argumento que com a verba de uma escola poderão construir duas ou mais.
A prefeitura pressiona projetista e construtora para fazer o trabalho com pressa exagerada para poder inaugurar obras a tempo de campanha eleitoral.
Os projetos de arquitetura são muito ruins por inexperiência ou incompetência.
As construtoras são muito ruins. Lembre-se que ganhou a de menor preço e que a comprovação de experiência pode ser "comprada".
O projeto tem que especificar os materiais mas não pode citar marcas, então a construtora compra o produto mais barato do mercado.
Parte do dinheiro é desviada e a obra fica incompleta.

O sucesso ou o fracasso de uma obra depende portanto da qualidade do projeto e da qualidade da construção.

4-No estado de São Paulo, há um padrão, ditado pelo FDE.
Digamos que atentar às contingências climáticas é dever de todo arquiteto para qualquer tipo de edifício.
5-Conforme o valor da licitação de projeto, ela será publicada no diário oficial da União e estará aberta a profissionais de qualquer região do país. Assim, uma escola na amazônia poderá vir a ser projetada por um arquiteto gaúcho que irá ao local da obra pela primeira vez na vida para assinar seu contrato. Em teoria não é problema porque um profissional que se propôe a participar da licitação está implicitamente ciente das condições locais e saberá levá-las em conta. Mas... novamente a história do menor preço, etc.

É isso por enquanto. Espero colaborar com a discussão. Passe lá no www.arquiteturaescolar.com.br. Ficarei honrado com sua visita.

Interaja - Trocar informes com entendidos no assunto faz enorme diferença, concorda comigo, leitor? Sobre arquitetura e sustentabilidade, temas que muito aprecio, veja o que o arquiteto em destaque exibe no Arquitetura Escolar.

Até a próxima!


Um comentário:

  1. Professora, fico grato pela sua investigação, já que conseguiu ser amplamente elucidativa. Licitações malfadadas podem explicar uma infinidade de problemas nos recursos públicos em geral, não apenas nas combalidas escolas. O arquiteto Álvaro Lima Castro também fez um excelente trabalho com as respostas! :]

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